terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Não se trata do poema e sim do homem e sua vida- a mentida, a ferida, a consentida vida já ganha e já perdida e ganha outra vez. Não se trata do poema e sim da fome de vida, o sôfrego pulsar entre constelações e embrulhos, entre engulhos. Alguns viajam, vão a Nova York, a Santiago do Chile. Outros ficam mesmo na Rua da Alfândega, detrás de balcões e de guichês.
Todos te buscam, facho de vida, escuro e claro, que é mais que a água na grama, que o banho no mar, que o beijo na boca, mais que a paixão na cama. Todos te buscam e só alguns te acham. Alguns te acham e te perdem. Outros te acham e não te reconhecem e há os que se perdem por te achar, ó desatino, ó verdade, ó fome de vida!



O amor é difícil mas pode luzir em qualquer ponto da cidade. E estamos na cidade sob as nuvens e entre as águas azuis. A cidade. Vista do alto ela é fabril e imaginária, se entrega inteira como se estivesse pronta. Vista do alto, com seus bairros e ruas e avenidas, a cidade é o refúgio do homem, pertence a todos e a ninguém. Mas vista de perto, revela o seu túrbido presente, sua carnadura de pânico: as pessoas que vão e vêm que entram e saem, que passam sem rir, sem falar, entre apitos e gases. Ah, o escuro sangue urbano movido a juros. São pessoas que passam sem falar e estão cheias de vozes e ruínas. És Antônio?És Francisco? És Mariana?Onde escondeste o verde clarão dos dias? Onde escondeste a vida que em teu olhar se apaga mal se acende?E passamos carregados de flores sufocadas. Mas, dentro, no coração, eu sei, a vida bate. Subterraneamente, a vida bate.



Em Caracas, no Harlem, em Nova Delhi, sob as penas da lei, em teu pulso, a vida bate. E é essa clandestina esperança misturada ao sal do mar que me sustenta esta tarde debruçado à janela de meu quarto em Ipanema na América Latina.


(Ferreira Gullar)

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