Meu quarto está coberto de sonhos e almofadas.
Aqui há pássaros nas estantes e grilos nas cortinas.
Há anjos que rondam meu quarto dedilhando
harpas de bambu.
Durante o dia, tudo são flores, arrudas e canção de sol.
O teto de estrelas forjadas guarda risos e as enormes
esperanças que nascem em mim diariamente.
Durante a noite, há insetos a enfrentar o dossel inexistente
até alcançar-me e alimentarem-se de meu sangue.
Os quadros, os armários, os livros, o criado mudo, o abajur:
tudo em meu quarto observa as marcas de meu corpo resvalado.
O espelho que há em meu quarto guarda, além de meus
rostos e o de alguns amigos, barbas difusas a meia luz.
Pela demasiada quantidade de memória e solidão,
o espelho deforma quem nele se mira.
Todos reclamam de meu espelho.
Nessa hora escura, mesmo com a lâmpada acesa,
não se pode enxergar direito pelo excesso de gotículas
- suor e lágrimas- no ar.
Quando há corrente fria, uma queda d’água condensa
e escorre até os pés da mangueira para estender-se
em lençóis subterrâneos.
Por aqui passaram poucos homens. Barbas difusas a meia luz.
Houve alguma jura, alguma paixão, alguma sinceridade.
Mas foi de ilusão e adeus que pintaram-se as paredes de
meu quarto.
Por aqui passaram poucos homens. Suficientes para marcar
minha pele mais do que os olhares de meu quarto podem
suportar.
Na hora do sono, toda coisa que há nesse lugar
veste véu de carpideira e pranteia uma reza
sobre o fogo abandonado deste corpo
que não chegou a conhecer quem o amasse.
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